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Conflito entre Emprego x Tratamento com Plano de Saúde Pós-Pagamento

Você já ouviu falar em plano de saúde pós-pagamento?

Hoje tal dilema no cenário da saúde suplementar vem se tornando cada vez mais pertinente, posto que as Operadoras de Planos de Saúde, ao buscarem meios de reduzir a sinistralidade de sua carteira, sobretudo no pós-pandemia, passaram a pensar na criação de novos produtos. Estratégias como a verticalização de rede, a expansão de mecanismos de regulação em seus contratos, como a coparticipação, e também a criação de contratos sem a possibilidade de reembolso são algumas das maneiras que os planos vêm encontrando de mitigar os riscos de sua carteira, elevar sua receita e, principalmente, seus lucros.

Há, porém, um novo produto ainda pouco falado, mas que demonstra ser um dos grandes focos de redução de custos às Operadoras: o plano de saúde pós-pagamento nos contratos empresariais.

Na hora da venda, diz-se que este contrato é uma forma de as empresas que optam por fornecerem planos de saúde aos seus funcionários economizarem com mensalidades, pagando somente pelo que efetivamente for utilizado. Já na prática, trata-se quase de constituição de plano de autogestão, passando a Operadora a ser mera fornecedora de prestadores, e a empresa contratante responsável pelos pagamentos de todos os eventos utilizados por seus beneficiários, assumindo todos os riscos financeiros.

Daí porque é um plano de saúde pós-pagamento: os funcionários usam primeiro, às expensas primeiramente da Operadora, e esta será “reembolsada” pela empresa contratante posteriormente. Entretanto, é daí também que se retira a ideia de que a Operadora basicamente transfere os riscos às empresas estipulantes, criando nestas uma espécie de plano de autogestão que nem é “autogerido”, uma vez que nestas modalidades de planos de saúde pelo menos a mantenedora do plano é quem determina qual prestador constará em sua rede credenciada.

Mas não para por aí! Fora todo o custeio de todo e qualquer tratamento a ser realizado na rede credenciada da Operadora, em tal modalidade de contrato as empresas se responsabilizam também por outras situações, tais como repasses ao SUS e custas com processos judiciais e administrativos.

Para exemplificarmos: imaginemos que você, dono de uma indústria, contratou um plano de saúde aos seus funcionários na modalidade pós-pagamento e, um de seus funcionários necessita de um tratamento de urgência. Solicitada a entrada em hospital da rede credenciada, este aduziu não ter vagas para o atendimento, e não restou saída senão valer-se de prestador particular. Para ser reembolsado de todos os valores pagos, o funcionário ingressou com um processo judicial para reaver os valores pagos, cujos quais são de R$ 15.000,00. A Operadora, que não havia reembolsado os valores de forma administrativa, teve de fazê-lo judicialmente, tendo de arcar também com honorários e custas no valor de R$ 5.000,00.

Pois bem, nesta modalidade de contrato TODOS os valores acima são repassados à empresa contratante, ou seja, R$ 20.000,00 reais.

Considerando o prejuízo acima mencionado, indaga-se qual será a postura do empresário com funcionários que, ao não encontrarem atendimento em rede credenciada, desejarem ingressar com algum processo judicial ou administrativo para poder realizar seu tratamento fora da rede credenciada, tal como determina a Resolução nº 566/22 da ANS? Infelizmente, a busca pelo direito dos consumidores será desautorizada em nome do emprego.

E ficará pior ainda a situação quando, não conseguindo o seu funcionário atendimento na rede credenciada ou o obtendo de forma incompleta, este se valer do SUS, visto que na cabeça do empregado, e talvez até dos empresários, não haverá nenhum pagamento pelo serviço público. Mas com as Operadoras é diferente, já que estas devem reembolsar o SUS de todos os valores despendidos a seus clientes pelo Sistema Público, visto que a grande função da saúde suplementar é retirar do Sistema Público boa parte de sua demanda. E nem é preciso dizer quem arcará com esta conta num sistema de plano de saúde pós-pagamento…

Há ainda outras questões a serem feitas, por exemplo: como serão, porventura, tratados os funcionários idosos e portadores de necessidades especiais nesta modalidade, visto que utilizam mais os serviços de saúde? Às mulheres, que ainda enfrentam problemas com desigualdade no mercado de trabalho, quais outras dificuldades serão postas por suas empresas na necessidade de um parto, por exemplo? Funcionários diagnosticados com doenças raras, que demandem um longo e complexo tratamento, continuarão a fazer parte dos planos da empresa? O dependente de um funcionário, diagnosticado com o Transtorno do Espectro Autista, tornará seu responsável menos competitivo em virtude do tratamento que demandará para a vida toda? E os funcionários inativos, será que não serão considerados, talvez, o motivo de se extinguir o benefício a todos, uma vez que a companhia não verá vantagem em arcar com aqueles que já não estão mais nos quadros da empresa?

Sendo assim, considerando que os planos empresariais são hoje a maior fatia dos produtos no mercado, e que em tal modalidade de contrato a empresa passa, basicamente, a assumir o lugar da Operadora, deve-se questionar antes de assinar um contrato de pós-pagamento, se a empresa se encontra preparada para cumprir, ainda que indiretamente, a Lei nº 9.656/98, as resoluções e decisões da ANS e, também, as decisões judiciais.

Ao nosso ver, o resultado do “ plano de saúde pós-pagamento” é ter no mercado empresas que não assumem risco nenhum de um lado, empresa assumindo risco em dobro do outro, e, no meio, o funcionário tendo de escolher entre seu tratamento ou seu emprego.

 

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Advogado e sócio do Marques, Martos e Espinace Advogados Associados

  • Advogado pela Universidade Paulista (UNIP)
  • Pós-graduado em Direito Público com ênfase em Gestão pela Faculdade Damásio de Jesus
  • Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela EBRADI
  • Pós-graduado em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito (EPD)
  • Presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da 117ª Subseção da OAB/SP – Barueri

Advogado, gestor e sócio do Marques, Martos e Espinace Advogados Associados

  • Especialista em Direito Médico e da Saúde pela Universidade de Coimbra
  • Pós-graduado em Bioética pela Faculdade de Medicina da USP
  • Pós-graduado em Direito Médico e da Saúde pelo Instituto Renato Saraiva
  • Vice-Presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB – Osasco
  • Membro da AIJA “Associação Internacional de Jovens Advogados” na comissão de HealthCare

Advogado, sócio e gestor do Marques, Martos e Espinace Advogados Associados.

  • Em especialização em Direito Médico e da Saúde pela Universidade de Coimbra
  • Presidente da Comissão de Bioética, Direito Médico e da Saúde da OAB (Subseção Osasco)
  • Idealizador e coordenador do Congresso Paulista de Bioética, Direito Médico e da Saúde
  • Idealizador e coordenador do Simpósio de Bioética, Direito Médico e Saúde de Osasco (SP)
  • Coordenador e membro da Comissão Científica do Congresso Brasileiro Médico e Jurídico da Saúde em 2018, 2019, 2020 e 2022
  • Professor da Faculdade de Ciências da Saúde (IGESP)
  • Palestrante em congressos e eventos de Saúde